Em 2015, eu viraria uma mulher balzaquiana. Apesar de nunca ter lido a obra de Balzac, a vida me informava o que isso significava. Não só a vida, as tias e as pessoas menos contemporâneas também: "então, tu vais casar?", "Tu vais ter filhos?", "Tu já estás com apartamento comprado?".
A minha resposta para essas perguntas e muitas outras era sempre “não”. Geralmente, acompanhado de irritação por tentar me desvencilhar dos olhares julgadores ou apenas bisbilhoteiros e não conseguir.
Acontece que passar para os 30 anos sem nada muito concreto causa uma crise, realmente. As revistas, as listas, as pessoas estão cheias de palavras sobre “o que fazer antes dos 30 anos”, “lugares para conhecer antes dos 30 anos” e blá, blá, blá.
Parecia que se tu não estivesses com "tudo pronto" até os 30 anos, tu não conseguirias mais ter tempo para realizar sonhos, ir atrás de objetivos e ser uma pessoa feliz. Pelo menos nos moldes do que é considerado correto e feliz por uma fatia grande da sociedade.
Alguma coisa muito séria estava para acontecer e eu precisava respirar em meio de tanto sufoco. Eu não fazia ideia do que fazer, mas a pressão me obrigava a tomar alguma decisão.
Com apenas 29 anos eu estava "presa" há quase 9 anos de trabalho na Universidade de Caxias do Sul, no Gabinete do Reitor, e isso começava a me incomodar. Não por não gostar do trabalho ou das pessoas. Mas a rotina, a juventude presa em salto alto e formalidade me afastava do que eu gostaria de ser. Porque apesar de estar completamente perdida, eu até tinha uma ideia do que poderia me fazer feliz. Eu já dava aulas nessa época, mas eu queria mais. Já tinha o mestrado também e não sabia o que fazer com ele.
Algo pulsava dentro de mim e eu precisava fazer algo. Eu não sabia direito o que era, mas eu pedi para sair do Gabinete. Não foi uma decisão fácil porque quanto mais raízes tu vais criando, mais difícil fica alçar novos voos. Mas, tomei a decisão. Eu poderia ter feito minha mãe feliz e ter dado a entrada num apartamento, mas eu comprei uma passagem para Londres. Sem pensar.
Londres, aquela vontade antiga. A terra dos Stones, dos Smiths e do The Cure, e do inglês belíssimo que não sei falar direito. Nem entender direito.
Não sei se foi a vontade de fazer parte da vanguarda londrina, de tentar vida num lugar diferente, mas era Londres. Londres representava naquele momento um encontro comigo mesma. É como se eu estivesse voltando pra casa.
Minha mãe, no começo, não entendeu. Depois, quando bateu o medo, foi ela que me encorajou. Porque sim, uma semana antes de ir, eu pensei em desistir.
Completamente sozinha, num mini-sabático - porque não durou um ano -, infelizmente, eu estava colocando 30 anos numa mala e indo resolver o que eu faria com eles. Aluguei apartamento na zona 3, quase 4, no norte de Londres, no Distrito de Hornsey, ao lado de Crouch End. A escolha do lugar se deu pelo valor do apartamento, mais barato do que as famosas áreas 1 e 2, bem turísticas. Como eu
precisava viver uma experiência de fato londrina, optei por uma área de moradores, mesmo. Foi uma ótima escolha, apesar de demorar quase uma hora, de metrô, para chegar nos principais lugares.
A vista do quarto/sala era linda e eu podia ver o Alexandra Park do meu apartamento. Eu dormia com as cortinas abertas para poder acordar com o sol no rosto. Esse tipo de sensação que a gente lê em livros, assiste em filmes e poucas vezes faz. O verão londrino é algo espetacular, já que o dia nasce por volta das 4/5h da manhã e anoitece quase às 22h. É uma experiência fantástica, pois Londres te propõe viver mais, seja pelo tempo propriamente dito, seja pelas pessoas ou pelos lugares.
Era assim que eu me sentia. Vivendo mais. Deixando uma roupagem falsa que eu tinha vestido por 30 anos e vestindo a mim mesma, com as delícias e a dor de se ser quem é.
A viagem para Londres foi a minha viagem. Talvez se eu tivesse ido para Florianópolis, Curitiba, Rio de Janeiro, Paris, Buenos Aires ou qualquer outro lugar teria sido tão bom quanto foi nas terras britânicas porque não foi uma viagem para fora, foi uma viagem para dentro.
Mas parecia, pelo menos naquele instante, que quanto mais longe eu fosse, mais fácil seria.
E eu fui.
A passagem mais barata fazia escala em Barcelona, que eu já conhecia e me dava, então, uma certa segurança, e a viagem demoraria 18h. Por sorte, fiquei sozinha na poltrona. Tudo que eu precisava naquele julho de 2015 era espaço e tudo estava acontecendo como precisava ser. Algo muito grande me esperava: Londres, que era maior do que eu poderia imaginar, e eu mesma, que era maior do que eu pensava também.
Chegar na Inglaterra era diferente de todos os lugares que eu já tinha chegado: proporcionava um encontro de nuvens, muitas nuvens, a London Bridge do alto, o Tamisa contornando a cidade, as milhares de casas iguais, lado a lado, a extensão interminável de uma cidade que não acaba nunca.
Nem tudo foi lindo e feliz, confesso. A primeira sexta-feira, por exemplo, foi horrível. O sentimento de estar sozinha, por escolha, num lugar tão distante, forçou-me a beber uma garrafa inteira de vinho. Era sexta-feira de verão, final da tarde, pessoas felizes indo ao encontro de amigos e amores. Metrôs cheios de risos e promessas de uma sexta-feira feliz. Para eles. Para mim, uma solidão enorme, sem perspectiva de nada (naquele momento), com sacolinhas do mercado Tesco
recheadas de comida congelada e bebida. Cheguei em casa e algo faltava. Tentei ler Bukowski sentada num banco que havia na frente do prédio. Não deu certo, sentia-me mais sozinha ainda. Voltei para o apartamento, abri a garrafa de vinho e chorei. Chorei os 30 anos que estavam engasgados na minha garganta. Chorei a noite inteira. Adormeci quando estava amanhecendo.
No sábado, acordei diferente. Algo havia mudado. Nesse dia conheci Notting Hill e Camden. Naquele dia, eu sabia que estava onde precisava estar, fazendo o que eu queria e sem me cobrar nada. Descobri o prazer da própria companhia, a tirar selfies (mesmo com vergonha) e a voltar para casa sozinha e feliz.
Aprendi a olhar de fato as pessoas, os lugares, aprendi a olhar para mim. Perdi o medo, andei de madrugada na rua, fui em festas com pessoas que eu não conhecia, aprendi a ser menos desconfiada. Aprendi a fazer molho de quatro queijos, a usar o GPS e a me organizar melhor.
De repente, eu entendi as mudanças que ocorrem quando tu passas para a casa dos 30. O que os outros dizem ou pensam já não tem mais importância. As pessoas que te amam de verdade entenderão as tuas escolhas, sejam elas quais forem.
Não há limites e amor, filhos, apartamento, carreira fazem parte de algo maior, que tu decides o que é. Os planos continuam ali, os sonhos também, e tu tens maior capacidade para conquistar tudo.
No fim, eu voltei porque era hora de voltar. Encontrei o que eu precisava, aprendi o que eu queria e estava pronta para ser feliz com os temidos 30 anos, que não são o início do fim, até porque, como diz o próprio Balzac, "O homem começa a morrer na idade em que perde o entusiasmo.". E eu me sentia mais entusiasmada do que nunca.
A minha resposta para essas perguntas e muitas outras era sempre “não”. Geralmente, acompanhado de irritação por tentar me desvencilhar dos olhares julgadores ou apenas bisbilhoteiros e não conseguir.
Acontece que passar para os 30 anos sem nada muito concreto causa uma crise, realmente. As revistas, as listas, as pessoas estão cheias de palavras sobre “o que fazer antes dos 30 anos”, “lugares para conhecer antes dos 30 anos” e blá, blá, blá.
Parecia que se tu não estivesses com "tudo pronto" até os 30 anos, tu não conseguirias mais ter tempo para realizar sonhos, ir atrás de objetivos e ser uma pessoa feliz. Pelo menos nos moldes do que é considerado correto e feliz por uma fatia grande da sociedade.
Alguma coisa muito séria estava para acontecer e eu precisava respirar em meio de tanto sufoco. Eu não fazia ideia do que fazer, mas a pressão me obrigava a tomar alguma decisão.
Com apenas 29 anos eu estava "presa" há quase 9 anos de trabalho na Universidade de Caxias do Sul, no Gabinete do Reitor, e isso começava a me incomodar. Não por não gostar do trabalho ou das pessoas. Mas a rotina, a juventude presa em salto alto e formalidade me afastava do que eu gostaria de ser. Porque apesar de estar completamente perdida, eu até tinha uma ideia do que poderia me fazer feliz. Eu já dava aulas nessa época, mas eu queria mais. Já tinha o mestrado também e não sabia o que fazer com ele.
Algo pulsava dentro de mim e eu precisava fazer algo. Eu não sabia direito o que era, mas eu pedi para sair do Gabinete. Não foi uma decisão fácil porque quanto mais raízes tu vais criando, mais difícil fica alçar novos voos. Mas, tomei a decisão. Eu poderia ter feito minha mãe feliz e ter dado a entrada num apartamento, mas eu comprei uma passagem para Londres. Sem pensar.
Londres, aquela vontade antiga. A terra dos Stones, dos Smiths e do The Cure, e do inglês belíssimo que não sei falar direito. Nem entender direito.
Não sei se foi a vontade de fazer parte da vanguarda londrina, de tentar vida num lugar diferente, mas era Londres. Londres representava naquele momento um encontro comigo mesma. É como se eu estivesse voltando pra casa.
Minha mãe, no começo, não entendeu. Depois, quando bateu o medo, foi ela que me encorajou. Porque sim, uma semana antes de ir, eu pensei em desistir.
Completamente sozinha, num mini-sabático - porque não durou um ano -, infelizmente, eu estava colocando 30 anos numa mala e indo resolver o que eu faria com eles. Aluguei apartamento na zona 3, quase 4, no norte de Londres, no Distrito de Hornsey, ao lado de Crouch End. A escolha do lugar se deu pelo valor do apartamento, mais barato do que as famosas áreas 1 e 2, bem turísticas. Como eu
precisava viver uma experiência de fato londrina, optei por uma área de moradores, mesmo. Foi uma ótima escolha, apesar de demorar quase uma hora, de metrô, para chegar nos principais lugares.
A vista do quarto/sala era linda e eu podia ver o Alexandra Park do meu apartamento. Eu dormia com as cortinas abertas para poder acordar com o sol no rosto. Esse tipo de sensação que a gente lê em livros, assiste em filmes e poucas vezes faz. O verão londrino é algo espetacular, já que o dia nasce por volta das 4/5h da manhã e anoitece quase às 22h. É uma experiência fantástica, pois Londres te propõe viver mais, seja pelo tempo propriamente dito, seja pelas pessoas ou pelos lugares.
Era assim que eu me sentia. Vivendo mais. Deixando uma roupagem falsa que eu tinha vestido por 30 anos e vestindo a mim mesma, com as delícias e a dor de se ser quem é.
A viagem para Londres foi a minha viagem. Talvez se eu tivesse ido para Florianópolis, Curitiba, Rio de Janeiro, Paris, Buenos Aires ou qualquer outro lugar teria sido tão bom quanto foi nas terras britânicas porque não foi uma viagem para fora, foi uma viagem para dentro.
Mas parecia, pelo menos naquele instante, que quanto mais longe eu fosse, mais fácil seria.
E eu fui.
A passagem mais barata fazia escala em Barcelona, que eu já conhecia e me dava, então, uma certa segurança, e a viagem demoraria 18h. Por sorte, fiquei sozinha na poltrona. Tudo que eu precisava naquele julho de 2015 era espaço e tudo estava acontecendo como precisava ser. Algo muito grande me esperava: Londres, que era maior do que eu poderia imaginar, e eu mesma, que era maior do que eu pensava também.
Chegar na Inglaterra era diferente de todos os lugares que eu já tinha chegado: proporcionava um encontro de nuvens, muitas nuvens, a London Bridge do alto, o Tamisa contornando a cidade, as milhares de casas iguais, lado a lado, a extensão interminável de uma cidade que não acaba nunca.
Nem tudo foi lindo e feliz, confesso. A primeira sexta-feira, por exemplo, foi horrível. O sentimento de estar sozinha, por escolha, num lugar tão distante, forçou-me a beber uma garrafa inteira de vinho. Era sexta-feira de verão, final da tarde, pessoas felizes indo ao encontro de amigos e amores. Metrôs cheios de risos e promessas de uma sexta-feira feliz. Para eles. Para mim, uma solidão enorme, sem perspectiva de nada (naquele momento), com sacolinhas do mercado Tesco
recheadas de comida congelada e bebida. Cheguei em casa e algo faltava. Tentei ler Bukowski sentada num banco que havia na frente do prédio. Não deu certo, sentia-me mais sozinha ainda. Voltei para o apartamento, abri a garrafa de vinho e chorei. Chorei os 30 anos que estavam engasgados na minha garganta. Chorei a noite inteira. Adormeci quando estava amanhecendo.
No sábado, acordei diferente. Algo havia mudado. Nesse dia conheci Notting Hill e Camden. Naquele dia, eu sabia que estava onde precisava estar, fazendo o que eu queria e sem me cobrar nada. Descobri o prazer da própria companhia, a tirar selfies (mesmo com vergonha) e a voltar para casa sozinha e feliz.
Aprendi a olhar de fato as pessoas, os lugares, aprendi a olhar para mim. Perdi o medo, andei de madrugada na rua, fui em festas com pessoas que eu não conhecia, aprendi a ser menos desconfiada. Aprendi a fazer molho de quatro queijos, a usar o GPS e a me organizar melhor.
De repente, eu entendi as mudanças que ocorrem quando tu passas para a casa dos 30. O que os outros dizem ou pensam já não tem mais importância. As pessoas que te amam de verdade entenderão as tuas escolhas, sejam elas quais forem.
Não há limites e amor, filhos, apartamento, carreira fazem parte de algo maior, que tu decides o que é. Os planos continuam ali, os sonhos também, e tu tens maior capacidade para conquistar tudo.
No fim, eu voltei porque era hora de voltar. Encontrei o que eu precisava, aprendi o que eu queria e estava pronta para ser feliz com os temidos 30 anos, que não são o início do fim, até porque, como diz o próprio Balzac, "O homem começa a morrer na idade em que perde o entusiasmo.". E eu me sentia mais entusiasmada do que nunca.
Que bonito, amei!!!
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